Eterno Retorno, 2024
Galeria Marília Razuk | RJ
Exposição Individual - acrílica sobre tela

Texto curatorial por Ana Carolina Ralston
Uma bolha de ar flutua em direção à superfície. A pressão faz com que seu contorno orgânico se movimente, levando-a a performar uma espécie de dança em direção ao céu. Dentro dela, uma história milenar se concentra. O ar de uma atmosfera longínqua e ancestral está prestes a conectar-se àquele que respiramos hoje. Tal composição gasosa, aprisionada entre as geleiras da Antártida, pouco a pouco liberta-se para compartilhar história. A cena, estudada por cientistas ao redor do globo como uma forma de compreender a vida terrena, também emergiu nas pinceladas de Esther Bonder, artista visual carioca que traz em sua produção o vínculo inerente que possui com o meio ambiente. Agora, mais um capítulo de sua prolífera pesquisa desdobra-se em Eterno retorno, individual que apresenta este mês na Galeria Marilia Razuk.
O percurso do ar contido na esfera que caminha pelas águas ao encontro de nossa atmosfera reforça o pensamento da artista sobre o ciclo vital a que todos nós, atores vivos e não vivos, estamos sujeitos. Um movimento circular e repetido de acontecimentos que voltam a ocorrer de forma a perpetuar a existência, como explica a teoria de Friedrich Nietzsche (1844-1900) que dá nome à exposição. Contudo, o questionamento que nos serve de reflexão é também como transformar trechos dessa repetição sistemática para que possamos seguir em direção a novas revoluções.
A organicidade do pensamento de Esther é acompanhada pelo gesto pictórico que aparece em sua produção. As pinturas em tinta acrílica surgem a partir de vivências ambientais profundas e chegam às telas depois de transformadas pela memória da artista. Talvez daí surjam as formas arredondadas de sua natureza, como se
habitassem seus os sonhos e devaneios e fossem, após essa jornada, devolvidas ao mundo em forma de autorretratos sensíveis de seu interior sobre tais experiências ambientais.
As águas e sua conexão com o feminino também são territórios visitados constantemente por Esther em sua obra e ganham força nesta mostra. Como se penetrassem as entranhas naturais, assim como acontece no trajeto que percorrem dentro do próprio corpo humano, o líquido desagua difuso, porém calmo, pelas telas da artista, como observamos na composição Topografias (2023). É possível ver os veios desenhados nos largos troncos das árvores e notar uma delicada conversa destes com o fluxo aquático que se movimenta pela paisagem.
A água doce também aparece em outra tela de larga escala exposta na galeria, Sobre todas as cores (2023). Nela, o brilho da lua reflete em um rio silencioso, quase soturno, reforçando a profunda e misteriosa relação que a artista percebe do elemento com o corpo feminino, ambos capazes de criar e recriar vida. Já em Noturno (2023) e na série Antárticos (2024), o ciclo se volta ao mar. Com uma composição semelhante à do líquido amniótico humano, o oceano é reduto de vida e transformação e simboliza nas pinturas de Esther também o renascimento e a organicidade. Afinal, nascer também é a prova de que somos nada além da metamorfose, de uma pequena modificação de uma parte ínfima da carne do mundo. A partir desse eterno retorno, a circularidade de começos, meios e recomeços endossa o pensamento que não existe fim.
Ana Carolina Ralston